Fraudes e golpes
Facebook, Claro e banco Banqi devem indenizar cliente que teve linha clonada
21 de abril de 2023, 12h51
Por vislumbrar falha na prestação dos serviços, a 31ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença para condenar o Facebook, a Claro e o banco Banqi a indenizar uma cliente que teve a linha telefônica clonada e as contas do WhatsApp e do Instagram usadas pelos criminosos para obter dinheiro de terceiros.
De acordo com os autos, em janeiro de 2022, a cliente teve sua linha de telefonia da Claro clonada e os criminosos alteraram o pacote de serviços inicialmente contratado, com a finalidade de praticar golpes. Para reativar a conta e permanecer com o número original, a autora teve que contratar um novo plano de telefonia.
Na ocasião, os criminosos também utilizaram os dados pessoais da autora para acessar suas contas no WhatsApp e no Instagram, plataformas que permaneceram inacessíveis pela usuária por sete dias. No WhatsApp, os golpistas pediram dinheiro aos contatos da autora. No Instagram, aplicaram o golpe da falsa venda de móveis e eletrodomésticos.
Já no banco Banqi, os criminosos conseguiram abrir uma conta com os dados da autora, onde depositaram o dinheiro arrecadado com o golpe, totalizando R$ 2,3 mil. A cliente ajuizou ação indenizatória contra as três empresas, mas a demanda foi julgada improcedente em primeira instância. O TJ-SP, por sua vez, acolheu em parte o recurso da autora.
Claro
Com relação a Claro, a relatora, desembargadora Rosangela Telles, disse que a hipótese dos autos não se confunde com aquela conhecida como “golpe do WhatsApp”, em que há culpa exclusiva de terceiro e constitui excludente da responsabilidade da fornecedora do serviço, nos termos do artigo 14, §3º, inciso II do Código de Defesa do Consumidor.
“O caso não se resumiu à clonagem da conta mantida no aplicativo Whatsapp; na verdade, abrangeu primordialmente a clonagem da conta de telefônica, propriamente dita, com a alteração do respectivo contrato, por terceiros. Os agentes realizaram o cancelamento da linha, contratada pela apelante, e ativaram um plano pós-pago, por meio de ferramenta virtual oferecida pela prestadora do serviço”, afirmou.
Segundo a magistrada, ao permitir a clonagem da conta, com a alteração contratual por meio de mecanismos simplificados, desprovidos de efetiva conferência por seus prepostos, a Claro prestou um serviço defeituoso, justamente por não oferecer a segurança necessária, o que acaba por expor os seus clientes a invasões e fraudes.
“Não se trata, portanto, de culpa exclusiva de terceiro, mas de hipótese em que a fragilidade do sistema disponibilizado pela fornecedora permite o cometimento de atos delituosos, como o versado na espécie. Assim, o fato configura fortuito interno, inapto a romper o nexo de causalidade”, acrescentou Telles.
Para a relatora, o risco de estelionato é inerente ao serviço prestado pela operadora: “É o risco próprio da atividade que justifica, em tais casos, a indenização pelos danos causados. Cabe à fornecedora dos serviços de telefonia aprimorar os seus dispositivos e melhor treinar os seus funcionários, a impedir que fraudadores acessem e modifiquem contas.”
Facebook
No caso do Facebook, Telles destacou o artigo 7º, incisos I e XIII, do Marco Civil da Internet, que tem a seguinte redação: “Artigo 7 – o acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I – inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XIII – aplicação das normas de proteção e defesa do consumidor nas relações de consumo realizadas na internet.”
A magistrada aplicou ao Facebook os mesmos dispositivos e fundamentos adotados contra a Claro, configurando o serviço defeituoso, especialmente em razão da ausência da segurança que dele se espera. “A apelada não se desincumbiu do ônus de comprovar o emprego dos meios necessários para resguardar os dados fornecidos pelos usuários, tampouco a pronta diligência em restaurar a conta digital”, disse.
Banqi
Por fim, ao condenar o banco, a desembargadora ressaltou que se trata de pessoa jurídica que executa os serviços em nome de terceiros, por meio de processo de abertura de conta digital na modalidade simplificada, estabelecida na Resolução 96/2021 do Banco Central do Brasil.
O artigo 4º, §2º, da resolução admite a abertura de conta de pagamento com base em processo de qualificação simplificado, mas prevê que as instituições adotem procedimentos e controles para verificar e validar a identidade e a qualificação do titular da conta. Para Telles, isso não foi feito de forma correta no caso dos autos.
“O controle das informações prestadas, a ser exercido por tais instituições, não se resume à mera confrontação daquelas com os elementos constantes em bancos de dados públicos ou privados. As normas editadas não podem servir de escudo para que as sociedades possam atuar no gerenciamento de pagamentos, sem adotar as devidas cautelas quanto à verificação da identidade e qualificação daquele que solicita a abertura da conta, a fim de permitir a prática de ilícitos.”
Na visão da relatora, a conduta da instituição financeira foi determinante para os ilícitos cometidos pelos golpistas. “Ao deixar de agir com o cuidado necessário, na conferência das informações prestadas por fraudadores para a abertura da conta, a apelada concorreu para os ilícitos perpetrados, dos quais decorreram diversos danos. Inafastável a sua responsabilidade”, pontuou.
Danos à cliente
Neste cenário, Telles concluiu pela responsabilidade das três empresas pelos danos causados à autora. Tendo em vista que a ofensa possui mais de uma autoria, as fornecedoras respondem de forma solidária pela reparação dos danos, como previsto no artigo 7º, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor.
“A prestação do serviço defeituoso, no caso concreto superou os limites do mero aborrecimento, na medida em que a recorrente foi tolhida do acesso de sua conta telefônica e redes sociais, experimentando, ainda, sentimentos de vergonha perante as vítimas dos estelionatos, praticados em seu nome”, completou.
Sendo assim, a magistrada fixou a indenização por danos morais em R$ 15 mil. A decisão foi por unanimidade. A consumidora foi representada pela advogada Andréa Barros Augé.
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Processo 5022555-57.2022.8.24.001
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é repórter da revista Consultor Jurídico